Lindo texto escrito por um amigo.




Celebrando a união

Nasci

"Nasci na taba duma tribo tupinambá. Sei que foi numa meia-noite clara, fazia luar. Minha mãe viu que eu era magro e feio. Ficou triste, mas não disse nada. Meu pai resmungou:
- Filho fraco. Não presta para a guerra.
Tomou-me então nos seus braços fortes e saiu caminhando comigo para as bandas do mar. Ia cantando uma canção triste. De vez em quando gemia.
Os caminhos estavam respingados do leite da lua. O urutau gemeu no mato escuro. Uma sombra rodopiou ligeira por entre as árvores.
O mar apareceu à nossa frente: grande, misterioso... Suas ondas pareciam soltar um longo ai quando rebentavam na praia. Meu pai estacou. Olhou primeiro para mim, depois para o oceano... - não teve coragem.
Voltou para a taba chorando. Minha mãe nos recebeu em silêncio."
Ainda era uma criança quando li este texto de Érico Veríssimo, recordo-me claramente que sofri um forte e inexplicável impacto diante deste conto. A tal ponto que o li inumeráveis vezes até tê-lo decorado, talvez na esperança de encontrar uma chave que desse acesso ao misterioso efeito do texto em mim.
Iniciar este momento de estudo com este conto é abrir as asas da alma para voar longe lá nas moradas saudosas da infância, sem perder a mirada do agora, pois agora sei o motivo de tal impacto e surpreendido pela vida e seus encantos posso celebrar este encontro milagroso entre tantas cores diferentes expressas nas peles e nas almas tingidas pelas experiências que sofreu. Viajemos todos como o urutau, o camaleão dos céus, como as coloridas e alegres araras em direção de nossa infância, em busca de maior compreensão.
Não nasci em uma taba, numa aldeia indígena, nascemos à maioria de nós em hospitais frios cheios de aparelhos e quase vazios de alma. O absurdo de nossa avançada barbárie medica determina o dia e a hora do parto, desconsiderando a maturação natural do bebe e da mamãe, e isto alterará o nosso destino irremediavelmente. Nascemos alguns á fórceps, outros através de um portal cesariano feito por mãos apressadas, alguns prematuramente arrancados antes que a natureza envia-se o seu sinal dizendo: É agora, chegou a sua hora!
Alguns de parto normal, ainda que este clinicamente “normal” dos especialistas em parir, melhor em “trair” a natureza, esteja bem longe de ser o natural. Nascemos, e que lastimável recepção, luzes cegam nossos penumbrados olhos, ofuscando-nos a vista sensível, cortam-nos o cordão da vida antes que possamos nos adaptar a entrada da autonomia pela respiração, asfixiados, engasgamos enquanto nossas vias aéreas queimam com a invasão repentina do oxigênio, rompemos em gritos surdos, os adultos sorriem , só eles, o bebezinho chora, grita, implora misericordiosamente, privam-nos do contato com a pele materna, do calor e do cheiro daquela que nos carregou. Com quem fui e ainda me sinto UM.
Lavam-me imediatamente a pele em água escaldante, afinal mal nasci e já me consideram “sujo” e lançam-me num bercinho junto com outros infelizes a gritar assustados pela imobilidade, já que antes tudo era puro movimento, choramos o inexplicável espaço, antes tudo era muito apertado, gritamos o peso, antes flutuávamos nas aguas da criação, aterrorizados estamos pelo silencio assustador, antes tudo era continua musica melodiosa no tambor do coração e na voz da respiração, o espirito supremo cantava para nós e agora a musica cessou e veio o ruído, o estrondo, o silencio agudo da solidão. Há ainda outro som partindo de nossas profundezas, o ronco de uma fera em nossas entranhas, sim, agora enfrentamos a fome.
Definitivamente nascer não é coisa fácil, nem para a criança nem para a mãe, e nós cara pálidas, conseguimos deixar o que era difícil muito pior. Para nós seres “civilizados”, a dificuldade começa muito antes, pois a maioria das concepções são amarguradas pelo desejo de “não ser”, a fêmea civilizada descobre-se gravida e a tortura começa, não há sorrisos e lágrimas de felicidade e sim preocupações e desejos monstruosos de pôr fim a cria acidental!
Esta primeira rejeição ficará registrada na alma do infante e o “filho fraco, magro e feio” terá de carregar, muitas vezes por toda a vida, o peso de não ter sido desejado, verdadeiramente quisto e amado. Isto é assim para tantos de nós, e mesmo quando profundamente desejados, a tal da gestação planejada, me parece inevitável sentirmos esta rejeição durante o nosso desenvolvimento como entes sociais. Então eis que estamos todos igualados como peregrinos na jornada de encontrar os nossos ancestrais em nós mesmos e curar-nos definitivamente da angústia e do medo.
Quão graciosa é a vida ao se manifestar como esta velha matriarca, firme na porteira da vida, a parteira faz a travessia tornar-se mais segura e suave para todos, mãe, rebento e pai. A parteira é a própria Lua a gotejar seu branco leite, pois ali, na boa hora, ela é mãe junto com a parturiente. A esperança para nossa gente humana é que as crianças nasçam do Amor, e não de encontros efêmeros e irresponsáveis, que sejam amadas desde antes da concepção, e que sejam recepcionadas de maneira selvagem.
Selvagem feito índio, seja o índio do extremo oriente ou o índio aqui da nossa morena “mátria” de belezas tão mal apreciadas.
Quando o pai desistir de lançar fora o filho, quando a Grande mãe oceânica lançar seu “Ai” para despertar os homens de suas respeitáveis tolices, ainda que disfarçadas de novidade, de progresso, tolices demasiadamente velhas e carcomidas pelo tempo. Quando o patriarcado cair chorando diante da criança e da mãe silenciosa e rendido pelo amor, finalmente entregar-se a tão desejosa cura. Somente então aposentaremos definitivamente os senhores da guerra, para que possam eles também desfrutar a beleza da paz e da união.
Juntos, construiremos a Oca da Unidade perfeita, e dançaremos em roda, crianças, anciãos, mulheres e os homens todos com o peito e o corpo nú, cheios de pureza e inocência a celebrar a vida e seus encantos. Cantaremos a memoria dos nossos ancestrais e louvaremos a natureza, nossa grande Mãe original.
Talvez estejamos longe de ver este sonho realizado, nossas ações podem parecer tão invisíveis como o Urutau no pau oco, mas eu confio no dito popular:
Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
É gotejando insistentemente na solida rocha da incompreensão que poderemos transformar e furar este obstáculo. Cada ponto de luz nesta terra haverá de fazer alguma diferença, você pode fazer a diferença, nem que seja em si mesmo. Nossas lagrimas de dor e prazer, de entendimento e felicidade gotejando no solo seco do coração, hão da fazer brotar a flor do Amor.
Confiemos na cura de nossa criança ferida, a cura é uma possibilidade real:
Hoje sinto-me um tanto menos fraco e feio, ainda magro, como podem perceber, mas definitivamente, continuo não prestando para a guerra.

Vida Plena a todos os seres!

Vajrananda (Diógenes Mira)

Documentário - Babies

Um lindo documentário que nos mostra - o desenvolvimento dos bebês em diferentes contextos culturais.

Quem agora Caminha - Cais do Parto - Pernambuco/Brasil

QUEM AGORA CAMINHA... CAIS DO PARTO from paschoal samora on Vimeo.

Na sensibilidade das palavras e gestos de um Pernambuco pouco conhencido pela maioria dos Brasileiros, está a beleza singela de uma sabedoria que permanece guardada por gerações e gerações. Um vídeo que nos faz acreditar que o Nascimento está realmente ligado aos instintos mais originários e naturais de todas nós - mulheres.



-Iniciação-

"O termo Iniciação, no sentido mais geral, denota um corpo de ritos e ensinamentos orais cujo propósito é produzir uma alteracão decisiva no status religioso e social da pessoa que está sendo iniciada. Em termos filosóficos, a Iniciação é equivalente a uma mudança básica na condição existencial; o noviço emerge desta prova dotado de um ser totalmente diferente daquele que possuía antes da Iniciação ; ele se torna um outro".
- Mircea Eliade , Birth and Rebirth